Hoje
trago-vos o relato de um dos momentos em que senti mais vergonha na minha vida.
Não estou a falar da vergonha que se sente quando se deixa cair um tabuleiro no
meio do refeitório, ou de quando dão um peido em público e ele faz barulho.
Não. Este é todo um novo nível de vergonha. Ora desfrutem!
Esta
história aconteceu por volta dos meus catorze/quinze anos. Era novo e tonto. Mas
não era novo e tonto o suficiente para desculpar o que aconteceu.
Seguia eu e
dois amigos – um rapaz dois anos mais velho e uma rapariga um ano mais nova – na
rua, numa tarde soalheira e agradável. Até aqui, seguíamos como jovens normais
e capazes de viver em sociedade como quaisquer outros. Mas, como os leitores
poderão constatar, tudo o que relatarei a partir de agora será uma enxurrada de
imbecilidades umas a seguir às outras. Bem, quase tudo.
Primeiro
impulsionador de toda a trama: aproximamo-nos de uma porta. A porta de uma
casa, à beira do passeio, como tantas outras. Alguns leitores provavelmente já
esperarão o que aí vem, os outros, provavelmente, acreditam mais no jovem eu do
que deviam. Agora vou descrever os acontecimentos sem dizer quem é que fez o
quê e depois dou-vos um tempinho para tentarem adivinhar a quem corresponde
cada atitude. Cá vai: Um dos três decide tocar à campainha da dita porta e
começar a correr, outro decide fugir junto com o primeiro e outro continua a
andar naturalmente como uma pessoa normal enquanto tenta chamar os primeiros
dois imbecis à razão. Agora pensem tentem adivinhar quem é que fez o quê.
Aposto que acertaram. O imbecil de dezasseis/dezassete anos tocou à campainha e
fugiu, o burro de catorze/quinze foi atrás porque, afinal de contas ele tinha
tocado a uma campainha sem propósito e fugido, e a rapariga de treze/catorze
anos deixou-se estar porque aquilo era só parvo e infantil. Para melhorar toda
esta situação, sabem o que é que era moda na altura? Usar calças largas e
descaídas. Calças essas que para correr davam tanto jeito como uma minissaia
justa. Então lá iam dois energúmenos a tentar correr enquanto puxavam as calças
para cima para conseguirem correr mais rápido depois de tocarem a uma campainha.
Que figuras respeitáveis. Mas, no meio de tudo isto, onde é que está a grande
vergonha de que falei inicialmente? Está no que a rapariga de treze/catorze
anos nos estava a tentar dizer enquanto nós nos esforçávamos por fugir. Com
todo o alvoroço, escusado será dizer que, nenhum de nós ouviu ponta de corno do
que ela disse, mas, a meio do caminho, os meus olhos cruzaram-se com a génese dos
chamados de atenção da sensata rapariga: a dona da casa estava a ver tudo pela
varanda… E foi neste momento que me apeteceu implodir para uma qualquer outra
dimensão onde pudesse desfrutar de todo o meu desconforto psicológico, sozinho
e sem ser julgado pelos olhares reprovadores dos sóbrios de espírito.
Foi doloroso.
O que tinha começado com uma brincadeira parva e infantil depressa se
transformou num palco de vergonha e humilhação. O olhar daquela mulher a
trasbordar condescendência foi fatal. Eu quase que ouvi aqueles olhos a dizerem
“Coitadinhos… devem ter um atraso severo ou foram deixados cair à nascença… É a
isto que o nosso futuro está entregue…”. Aquele olhar sozinho conseguiu
transmitir os sentimentos da proprietária da casa de uma forma que nem palavras
conseguiriam. Teria sido melhor se as calças me tivessem realmente caído. Não
tinha doído tanto.
Tentem
visualizar a cena completa: 3 jovens caminham no passeio, um toca à campainha e
foge, outro junta-se na debandada e a rapariga fica para trás porque a dona da
casa está a ver tudo. Foi a última vez que fugi depois de alguém tocar a uma campainha…
pelo menos sem antes me certificar que o dono não estava algures a ver o filme
todo.
As figuras
que um gajo faz quando é puto…
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