Hoje vou
arriscar numa coisa que pouco me lembro de ter feito até agora. De um modo
geral, tudo o que escrevo é a reclamar, a dizer mal, a criticar, a queixar-me…
Enfim, sou um chorão. Hoje vou tentar escrever sobre uma coisa pela qual sou completamente
apaixonado e, como tal, a ideia não é dizer mal. Obviamente que o mais certo é
acabar por criticar uma coisa ou outra, mas a ideia geral não é essa. Obvio é,
também, que se, de um modo geral, a piada já é escassa no que eu escrevo, desta
vez vai ser preciso muito boa vontade para a encontrar e reconhecer.
E que paixão
é essa? Os que me conhecem melhor já devem estar a adivinhar, os outros também
não vão ficar muito surpreendidos: Artes marciais. “Claro! Se não vem dizer
mal, vem falar de dar porrada em pessoas!” Sim, é exatamente isso.
O meu gosto
por artes marciais começou muito antes de eu me aperceber disso. Logo desde
pequeno que os meus desenhos animados favoritos eram sempre os que tinham mais
bofetada: Dragon Ball, ActionMan, Tartarugas Ninja, X-Men, Spider-Man, Pokemon,
Batman, etc.. E esse gosto prolongou-se até muito tarde. Já os meus amigos
andavam todos a discutir se o Jorge Jesus era bom treinador ou não, ainda eu
andava a ver se o Capitão América tinha derrotado o Caveira Vermelha ou não. Ora
bem, esse gosto por porrada ganhou forma quando entrei para o Karate, com 15/16
anos. Foi crescendo nesse ambiente até ir estudar para fora e experimentar
coisas novas como Muay Thai, Krav Maga e MMA e solidificou-se de tal forma que
ainda hoje, a maioria do pessoal da minha idade prefere discutir se o melhor do
mundo é o Cristiano Ronaldo ou o Messi e para mim é o Conor McGregor antecedido
por uma lenda de seu nome Anderson Silva (se não sabem quem são, vão procurar
que só vos faz é bem, tirarem as palas do futebol e perceberem que existe mais
qualquer coisinha aí por fora! Eu disse que ia acabar por criticar alguma coisa…).
Tal como já
se percebeu, com o passar dos anos, esse gosto passou a paixão, e agora quero
experimentar tudo o que consiga que envolva artes marciais. Sim, até mesmo
aquelas que prometem defender golpes sem contacto. Para poder tentar dar um
pontapé bem assente na cabeça de um instrutor e ver se ele defende ou não sem
qualquer contacto.
Como todos
sabemos, quem não está por dentro do mundo das artes marciais – seja como praticante,
seja como espetador – tem, de um modo geral, uma ideia pouco positiva das mesmas.
“Isso é só
violência!”
“A violência
não resolve nada”
“Esses
desportos de luta são uma estupidez. Às vezes até chegam a morrer de tanta
porrada que levam!”
“Então e essas
pessoas não são perigosas?”
Estes são
alguns dos comentários que já ouvi por esse mundo fora, seja em relação a
desportos de combate, seja em relação a artes marciais que não estejam tão
ligadas à competição.
Ora bem,
nenhuma destas afirmações tem razão de ser. Quem segue de perto desportos de
combate e, por exemplo, futebol (visto que é o desporto Rei no nosso país) sabe
que, de um modo geral, há muito mais respeito entre competidores no mundo do
combate do que no mundo do futebol. Aí vemos que não “é só violência”.
Ninguém pode
negar que existiram mortes em competições de combate, mas também ninguém pode
negar que existem mortes em competições de tudo e mais alguma coisa. Os
desportos de combate têm regras por alguma razão. Não é só porque é giro ter
três gajos dentro do ringue: dois à bofetada e um a ver. As regras servem para
proteger os competidores de danos desnecessários.
O estereótipo
de que praticantes de Boxe, Muay Thai, MMA, Kickboxe, etc., são violentos e
perigosos no dia-a-dia também é bastante comum. Mas pensem nessa teoria durante
um bocadinho: Se vocês soubessem fazer o que eles sabem, iam andar por aí a
distribuir porrada gratuitamente? Se sim, as bestas são vocês, se não, porque é
que eles hão de ser diferentes? Só porque põem em prática aquilo que sabem
fazer para ganhar dinheiro? Isso era a mesma coisa que o pessoal do tiro ao
alvo andar aí pela rua a dar tiros à rapaziada toda que lhes aparecesse pela
frente. Certamente que um individuo que tenha a infeliz ideia de tentar armar
porrada com um pugilista ou com qualquer outro competidor de desportos de
combate de contacto não vai acabar bem tratado, mas isso já é o karma a
trabalhar.
“A violência
não resolve nada” é uma frase frequentemente dita pelo povo. Na minha opinião
resolve e muito. Aliás, nem precisa de ser efetivamente aplicada para resolver:
Gente estúpida há por todo o lado e isso é irremediável. Mas se esses mesmos
estúpidos souberem que há uma forte possibilidade de levarem uma estampilha bem
assente no focinho se se excederem, controlam um pouco a sua estupidez. E um
par de murros com força na cara de um assaltante também é capaz de resolver
qualquer coisinha.
Como já
quase todos ouviram falar em algum momento das suas vidas, as artes marciais
têm diversos benefícios (isto falando a um nível recreativo e pessoal e não de
alta competição). Como eu gosto muito de enumerar coisas, aqui vai mais uma lista:
Disciplina:
A disciplina necessária para se dominar uma arte marcial é, de um modo geral,
superior à da grande maioria das modalidades hoje praticadas. Se nos focarmos
em artes marciais como o Karate, o Judo, o Krav Maga, o Kenpo, etc. ainda se
nota mais essa disciplina. Absorver e aplicar todos os princípios e valores que
essas artes marciais envolvem não é para qualquer um. Mas princípios esses sem
os quais muito dificilmente se atinge um alto patamar de técnica e qualidade de
execução. Respeitar superiores, semelhantes e menos graduados, saber ouvir e
tomar atenção (se não o fizerem passam a ser a cobaia do mestre nos exercícios
seguintes), ser humilde o suficiente para levar um lambadão no focinho sem
guardar ressentimento, saber treinar a sério e com contacto mas também ser
capaz de baixar o ritmo consoante a capacidade do parceiro de treino, etc..
Tudo isto acaba por ajudar na construção de seres humanos mais equilibrados.
Obviamente que há sempre uma ovelha negra no rebanho, mas não há regra sem
exceção.
Autoestima:
A prática de artes marciais é muitas vezes apontada por ajudar no melhoramento
da autoestima das pessoas (principalmente em adolescentes onde a falta desta é
mais acentuada). É certo que o que é que leva a esse aumento de autoconfiança
nunca é referido, mas que é frequente acontecer, é. E porque é que o motivo não
é revelado? Eu vou falar por experiência própria: Comecei por notar que
conseguia fazer coisas que, para mim, não eram nada de especial, mas que
deixavam os outros admirados por eu as conseguir fazer. Com isso reparei que
estava um pouco acima da média em relação a pessoas “normais” no que tocava a
cenas de lutas. E isso começou a subir-me um pouco a autoestima. Resumindo, eu
achava que, em caso de necessidade, conseguia ganhar numa luta com grande parte
das pessoas que me rodeavam. Umas vezes tinha razão, noutras nem tanto…
Defesa
pessoal: Este é, para mim, o fator mais importante das artes marciais. Afinal
de conta é a origem de tudo. As artes marciais foram inventadas para que as
pessoas se pudessem defender eficazmente. Não foi para competirem, não foi para
se exibirem, foi para se defenderem. A possibilidade de conseguir defender-me
de forma rápida e eficaz de um ou mais oponentes é das coisas que mais me
fascinam e motivam na prática de artes marciais. A que está no topo dessa mesma lista não é
muito diferente. É a possibilidade de conseguir proteger alguém numa situação
de necessidade. Um amigo, uma amiga, um familiar, o que for… Ver um destes
referidos a ser ameaçado ou atacado e poder ir para lá e protegê-lo eficazmente
é o que mais me move na prática de artes marciais. É certo que o mais parecido
que tive com isso foi meter-me numa briga para proteger um amigo e acabar no
chão a levar mais porrada do que o amigo (em minha defesa, houve muito álcool
consumido nessa noite…), mas isso são pormenores.
Experiência:
Não consegui denominar esta parte de melhor forma. O que é que eu quero dizer
com “experiência”? Saber ver. Um erro muito comum cometido por pessoas que se
metem em zaragatas hoje em dia é subestimarem o adversário. Se é pequeno, se é
gordo, se é magro, etc.. Estando por dentro do mundo das artes marciais durante
uns anos, começamos a reparar que há muitas surpresas. “Pequeninos” com uma
potência de golpe absurda, gordos que dão pontapés mais rápidos e altos do que
sequer achávamos possível para alguém daquela estatura, magrinhos com mais
força do que aparentavam, etc.. Mas o mesmo vale no sentido inverso. Grandes
bestas de ginásio com os músculos todos à mostra, mas que basta fazê-los falhar
os dois primeiros murros para ficarem sem gás e, como tal, serem presas fáceis.
Resumindo, não julgar pelas aparências.
Agora vou
ficar por aqui que quando começo a falar de bofetada nunca mais me calo e já me
alonguei mais que a conta. Talvez um dia escreva um livro sobre isto, quem sabe…