Hoje vou
contar-vos a história de quando fui atirar ovos à casa das vizinhas… Eu disse
que podia ser pior…
Neste
episódio podemos contar com a participação dos três cromos da última aventura
juntamente com outros quatro mentalmente incapacitados adolescentes. Para
facilitar e, ao mesmo tempo, manter uma certa privacidade, irei identificar
cada um dos participantes pela inicial dos seus respetivos nomes.
Tarde de
sol, seis jovens passeiam calmamente pelas ruas de Ponte de Sor – quatro rapazes
e duas raparigas – até que um deles se lembra de começar a correr, saltar,
agarrar-se a um poste de sinalização e rodar nele como se de uma stripper profissional
se tratasse (obviamente estou a satirizar, a ideia era parecer o Rey Mysterio,
da WWE). Como imediatamente pudemos constatar, o poste não se encontrava nas
melhores condições e partiu-se. Querem tentar adivinhar quem foi este artista?
Não é difícil… foi o mesmo que tocou à campainha e fugiu, desencadeando todo
o episódio anterior. Um cidadão civilizado, portanto. Podemos chamar-lhe R.
Poste
partido nas mãos do R, ficámos todos a olhar uns para os outros com cara de “então
e agora?”. Merda feita, não havia muito que pudéssemos fazer para remediar. Ele
pousou o poste no muro mais próximo e seguimos para minha casa. Até aqui nada
de extraordinário. Feito o que íamos fazer a minha casa – não perguntem o quê
que não me lembro – voltámos pelo mesmo caminho que tínhamos levado até à
mesma. Qual não é o nosso espanto quando, ao passarmos perto da casa à qual o
poste tinha ficado encostado ouvimos algo como “Vocês os quatro! Venham cá!”.
Olhámos para trás e vimos um homem e, se não me engano, três mulheres a saírem da
respetiva casa, sendo o homem o porta-voz. Lá nos aproximámos deles para ver o
que queriam.
- Foram
vocês que partiram este poste? – Não tendo sido eu o autor da obra mantive-me
calado. Não sou chibo. Ficámos algum tempo a olhar uns para os outros até que o
autor da obra de arte lá se acusou.
- Sim, fui
eu.
- E porque é
que o partiste?
- Oh, foi
sem querer. Ia a salt…
- É, foi sem
querer… eu sei bem o “sem querer” que foi. Também já tive a tua idade! A minha
mãe – diz apontando para uma senhora com cara de coruja gorda, velha e
rabugenta – viu da janela e viu bem que não foi sem querer! Brincadeiras
parvas.
- Pois…
- Vá, vão lá
mas que isto não se volte a repetir!
E lá fomos,
todos acabrunhados dado o sermão que tínhamos acabado de levar. Claro que
aquilo não ficou arrumado por ali. Fomos acabrunhados mas revoltados. Como
putos que éramos não tivemos a ousadia de responder e tudo o que havia para
dizer em nossa defesa ficou cativo apenas entre nós.
Agora passo
a explicar tudo o que nos revoltou: Em primeiro lugar, a cobardia da velha
coruja. Se tinha visto tudo a acontecer podia ter dito logo alguma coisa em vez
de ir chamar o filho. Éramos putos e ela estava protegida pela própria casa.
Não havia nada que pudéssemos fazer para retaliar. Em segundo lugar a comitiva
toda que foi preciso para irem dar um raspanete a um bando de putos: a velha
coruja, a irmã não tão velha mas também coruja, o filho e aquilo que penso ser
a mulher do filho. A família toda para dizer a um puto tonto que ele não devia
ter partido o poste… Como se isso fosse uma grande novidade.
Em terceiro a
descriminação feita. Éramos um grupo de seis. Fomos chamados quatro. Porquê? Os
restantes elementos do grupo eram raparigas… Se tinham visto o que tinha
acontecido sabiam exatamente quem tinha sido o autor, ou seja, todo o teatro do
“foram vocês que fizeram isso?” foi irritantemente direcionado apenas para os
rapazes. Se queriam dar um raspanete a um grupo de adolescentes parvos e
imaturos, davam a todos e não apenas aos rapazes. Quarto, a velha coruja viu e
com certeza deve ter reparado que a intenção não era partir o poste. Bastava
olhar para as nossas reações assim que o poste se partiu para perceber que sabíamos
ter feito merda. Mas claro, é sempre mais giro optar pelo raspanete agressivo
do que tentar perceber o que realmente aconteceu e tomar medidas adequadas
consoante os factos.
E foi
perante estes quatro fatores que as nossas cabeças adolescentes decidiram
elaborar um plano de vingança. Não foi grande plano nem envolvia um grau muito
elevado de intelecto, mas para nós serviu. Eu, o R e o J, sendo os mais
vingativos, decidimos na noite de Halloween ir atirar ovos à respetiva casa.
Para facilitar as coisas, um quarto – o M – ofereceu-se para providenciar os
ovos, visto que o pai tinha galinhas e conseguia ovos à borla. Por motivos que
não me recordo, o J acabou por não poder ir, ficando assim a missão entregue a
mim, ao R e o M. E lá fomos. Um ovo em cada mão, passámos na casa, seis jardas
espalhadas pela parede e pelas janelas e desatámos a correr e a rir, todos
contentes com a proeza que tínhamos feito.
Eu não
costumo ser rancoroso, mas isso se se tratar de alguém que eu goste e com quem
lide diariamente. Este não era o caso e ter atirado ovos naquela noite não me
chegou. Nem a mim nem aos meus dois companheiros de jornada. Onde é que eu
quero chegar com isto? No ano a seguir repetimos a brincadeira. Também foi
engraçado, também nos rimos muito, foi uma noite bem passada… Quer dizer, foi
uma noite bem passada até eu estar já em casa e me tocarem à campainha. A
partir daí deixou de ser bem passada.
Toca a
campainha, e vai o meu pai ver quem é. Espreita pelo olho da porta e vê uma
senhora com uma menina vestida a rigor para o dia em questão. Não querendo ter
de dar doces (até porque não os tinha) agarrou na minha cadela – daquelas mansarronas
que não fazia mal a ninguém mesmo que a provocassem, mas que era grande e que,
para quem não a conhecesse, impunha algum respeito – e vai abrir a porta para
tentar afugentar as potenciais pedintes de doces. Querem tentar adivinhar? Elas
não iam pedir doces. Querem tentar adivinhar quem eram e o que iam fazer? Era a
coruja menos velha e uma neta ou sobrinha neta ou uma porra qualquer, e iam
fazer queixinhas. Pois é. A partir desse momento a noite não foi naaaaada bem
passada. Nada.
Pelos vistos
elas, uma vez mais, estavam à janela quando nós atirámos os ovos – há quem goste
de ver televisão, estas senhoras preferem ver janela – e reconheceram-nos. Quer
dizer, não nos reconheceram bem. Passo a explicar: Segundo a senhora, eu, o
filho do estofador e um outro, tínhamos andado a atirar ovos à casa dela. Ora
bem, “o filho do estofador” seria o J que, como eu já vos disse, não pôde ir.
Quando eu disse “o J não estava lá” aconteceu aquilo que me fez ver que me
podia ter safado apenas dizendo “não faço ideia do que é que está a falar”: Ela
respondeu “Estás a tentar protege-lo porque ele é teu amigo mas eu bem o vi lá
contigo a atirar ovos”. Ou seja, da mesma forma que ela “viu” lá o J também podia
ter “visto” que era eu. Estava escuro e lá por elas parecerem duas corujas, não
quer dizer que tenham a mesma capacidade de visão noturna das mesmas.
Como devem
calcular, a noite não foi nada bonita depois dos meus pais descobrirem que eu
tinha andado a atirar ovos à casa das vizinhas por dois anos consecutivos. Mas
desenganem-se se acham que a história fica por aqui.
Chegado o
terceiro Halloween a minha mãe disse-me “como já deves estar à espera este ano
ficas em casa…”. E assim foi. Fiquei todo o serão em casa, sentado no sofá, com
o pc no colo e os meus pais ao lado. Todos no mesmo sofá. Quero que percebam
bem que eu estava sentado no mesmo sofá que os meus pais. Os dois. Acordados. O
sofá nem é muito grande, ou seja, estávamos bem apertadinhos.
Essa noite
passou tranquila e sem nada de entusiasmante para contar. A parte melhor foi o
que aconteceu no dia a seguir, ou não muito longe disso. A senhora foi fazer
queixa à minha avó de que não tinha servido de nada ter-se queixado aos meus
pais e que naquele ano eu tinha ido fazer a mesma coisa. Segundo a coruja, foi
falar com a minha avó porque a tinha como uma senhora decente. Isto porquê? Porque
uma vez, a minha avó tinha tocado à campainha das corujas para lhes perguntar
se podia tirar uma flor do quintal delas (mas que servia de enfeite ao muro, ou
seja, dava para pegar a partir do passeio) em vez de tirar sem pedir
autorização. Mas ainda bem que o fez! Se tivesse tirado sem pedir autorização,
o mais certo era a coruja velha ter ido chamar o filho para dar um raspanete na
minha avó. Bom, adiante. Estando a par da situação toda, a minha avó disse:
- Então mas
ele esteve a noite toda em casa com os pais…
- Isso eles
saem de casa que os pais nem dão por nada! Nem sabem onde é que eles andam.
- Desculpe,
mas a minha filha disse-me que esteve o serão todo com ele e que ele não chegou
a sair de casa.
- Então se
não foi ele mandou os outros irem por ele!
E aqui
recomeçamos uma nova análise de fatores que envolvem a situação: Ela viu que eu
estava lá e tinha toda a certeza disso. Mas afinal já não. Mas mesmo que eu não
estivesse lá, eu fui sempre a grande mente maquiavélica por trás de todos os
ataques terroristas direcionados à sua habitação. E, quando me vi incapaz de
liderar presencialmente os bombardeamentos, passei a liderá-los à distância,
dando instruções exatas aos meus lacaios sobre o que fazer para melhor
efetuarem a desova pelas paredes daquela fortaleza de câmaras de vigilância retro.
Um verdadeiro senhor do crime, eu. Escusado será dizer que, após toda esta performance
por parte da coruja menos velha, toda a gente ficou a perceber que elas não as
regulavam todas…
Mas ainda
não acabou! Uma das coisas que me foi imposta como castigo pelos meus pais – a mim
e ao R – foi ir à porta das senhoras pedir desculpa e perguntar se queriam
ajuda para limpar os ovos. Elas recusaram. Nós oferecemo-nos para ajudar a
limpar-lhes as paredes da casa e elas recusaram! (verdade se diga que aquilo
mal se notava que tinha levado com ovos. Na altura mais parecia uma casa assombrada…)
Porque é que eu estou a fazer tanto enfase nesta questão? Porque, no ano que se
seguiu a elas terem ido a minha casa fazer queixa, aconteceu o seguinte: eu
passava naquele sítio todos os dias para ir e voltar da escola. E num desses
dias olhei para a janela para ver se estava lá a coruja a tomar conta da rua. E
estava. E oiço as palavras amorosas “Estás a olhar para a merda que fizeste?!”.
Aquelas senhoras recusaram a nossa ajuda para limpar a casa mas não foi porque
nos desculparam nem nada semelhante. Foi por algum motivo retorcido que eu
prefiro nem imaginar. Perante tal pergunta a minha reação foi – pasmem-se! –
rir-me. Não havia muito mais a fazer. E eis que vem uma segunda enxurrada de
ódio “Estás-te a rir?! Qualquer dia levas um tiro!”. Como podem ver, estas senhoras
destilam ódio perante qualquer um que passe perto da sua bela mansão.
Facto
engraçado: Após 3 anos consecutivos a serem bombardeadas de ovos decidiram
pintar a casa. Tiveram coragem. E sorte. Ao que parece ninguém voltou a
atentar-lhes a casa com ovos.
Facto
engraçado nº2: Pensando bem no assunto, não sei se não houve diospiros
envolvidos num dos nossos ataques…