quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Um Amor Platónico

Hoje vou arriscar numa coisa que pouco me lembro de ter feito até agora. De um modo geral, tudo o que escrevo é a reclamar, a dizer mal, a criticar, a queixar-me… Enfim, sou um chorão. Hoje vou tentar escrever sobre uma coisa pela qual sou completamente apaixonado e, como tal, a ideia não é dizer mal. Obviamente que o mais certo é acabar por criticar uma coisa ou outra, mas a ideia geral não é essa. Obvio é, também, que se, de um modo geral, a piada já é escassa no que eu escrevo, desta vez vai ser preciso muito boa vontade para a encontrar e reconhecer.
E que paixão é essa? Os que me conhecem melhor já devem estar a adivinhar, os outros também não vão ficar muito surpreendidos: Artes marciais. “Claro! Se não vem dizer mal, vem falar de dar porrada em pessoas!” Sim, é exatamente isso.

O meu gosto por artes marciais começou muito antes de eu me aperceber disso. Logo desde pequeno que os meus desenhos animados favoritos eram sempre os que tinham mais bofetada: Dragon Ball, ActionMan, Tartarugas Ninja, X-Men, Spider-Man, Pokemon, Batman, etc.. E esse gosto prolongou-se até muito tarde. Já os meus amigos andavam todos a discutir se o Jorge Jesus era bom treinador ou não, ainda eu andava a ver se o Capitão América tinha derrotado o Caveira Vermelha ou não. Ora bem, esse gosto por porrada ganhou forma quando entrei para o Karate, com 15/16 anos. Foi crescendo nesse ambiente até ir estudar para fora e experimentar coisas novas como Muay Thai, Krav Maga e MMA e solidificou-se de tal forma que ainda hoje, a maioria do pessoal da minha idade prefere discutir se o melhor do mundo é o Cristiano Ronaldo ou o Messi e para mim é o Conor McGregor antecedido por uma lenda de seu nome Anderson Silva (se não sabem quem são, vão procurar que só vos faz é bem, tirarem as palas do futebol e perceberem que existe mais qualquer coisinha aí por fora! Eu disse que ia acabar por criticar alguma coisa…).
Tal como já se percebeu, com o passar dos anos, esse gosto passou a paixão, e agora quero experimentar tudo o que consiga que envolva artes marciais. Sim, até mesmo aquelas que prometem defender golpes sem contacto. Para poder tentar dar um pontapé bem assente na cabeça de um instrutor e ver se ele defende ou não sem qualquer contacto.

Como todos sabemos, quem não está por dentro do mundo das artes marciais – seja como praticante, seja como espetador – tem, de um modo geral, uma ideia pouco positiva das mesmas.

“Isso é só violência!”
“A violência não resolve nada”
“Esses desportos de luta são uma estupidez. Às vezes até chegam a morrer de tanta porrada que levam!”
“Então e essas pessoas não são perigosas?”

Estes são alguns dos comentários que já ouvi por esse mundo fora, seja em relação a desportos de combate, seja em relação a artes marciais que não estejam tão ligadas à competição.
Ora bem, nenhuma destas afirmações tem razão de ser. Quem segue de perto desportos de combate e, por exemplo, futebol (visto que é o desporto Rei no nosso país) sabe que, de um modo geral, há muito mais respeito entre competidores no mundo do combate do que no mundo do futebol. Aí vemos que não “é só violência”.
Ninguém pode negar que existiram mortes em competições de combate, mas também ninguém pode negar que existem mortes em competições de tudo e mais alguma coisa. Os desportos de combate têm regras por alguma razão. Não é só porque é giro ter três gajos dentro do ringue: dois à bofetada e um a ver. As regras servem para proteger os competidores de danos desnecessários.
O estereótipo de que praticantes de Boxe, Muay Thai, MMA, Kickboxe, etc., são violentos e perigosos no dia-a-dia também é bastante comum. Mas pensem nessa teoria durante um bocadinho: Se vocês soubessem fazer o que eles sabem, iam andar por aí a distribuir porrada gratuitamente? Se sim, as bestas são vocês, se não, porque é que eles hão de ser diferentes? Só porque põem em prática aquilo que sabem fazer para ganhar dinheiro? Isso era a mesma coisa que o pessoal do tiro ao alvo andar aí pela rua a dar tiros à rapaziada toda que lhes aparecesse pela frente. Certamente que um individuo que tenha a infeliz ideia de tentar armar porrada com um pugilista ou com qualquer outro competidor de desportos de combate de contacto não vai acabar bem tratado, mas isso já é o karma a trabalhar.
“A violência não resolve nada” é uma frase frequentemente dita pelo povo. Na minha opinião resolve e muito. Aliás, nem precisa de ser efetivamente aplicada para resolver: Gente estúpida há por todo o lado e isso é irremediável. Mas se esses mesmos estúpidos souberem que há uma forte possibilidade de levarem uma estampilha bem assente no focinho se se excederem, controlam um pouco a sua estupidez. E um par de murros com força na cara de um assaltante também é capaz de resolver qualquer coisinha.

Como já quase todos ouviram falar em algum momento das suas vidas, as artes marciais têm diversos benefícios (isto falando a um nível recreativo e pessoal e não de alta competição). Como eu gosto muito de enumerar coisas, aqui vai mais uma lista:

Disciplina: A disciplina necessária para se dominar uma arte marcial é, de um modo geral, superior à da grande maioria das modalidades hoje praticadas. Se nos focarmos em artes marciais como o Karate, o Judo, o Krav Maga, o Kenpo, etc. ainda se nota mais essa disciplina. Absorver e aplicar todos os princípios e valores que essas artes marciais envolvem não é para qualquer um. Mas princípios esses sem os quais muito dificilmente se atinge um alto patamar de técnica e qualidade de execução. Respeitar superiores, semelhantes e menos graduados, saber ouvir e tomar atenção (se não o fizerem passam a ser a cobaia do mestre nos exercícios seguintes), ser humilde o suficiente para levar um lambadão no focinho sem guardar ressentimento, saber treinar a sério e com contacto mas também ser capaz de baixar o ritmo consoante a capacidade do parceiro de treino, etc.. Tudo isto acaba por ajudar na construção de seres humanos mais equilibrados. Obviamente que há sempre uma ovelha negra no rebanho, mas não há regra sem exceção.

Autoestima: A prática de artes marciais é muitas vezes apontada por ajudar no melhoramento da autoestima das pessoas (principalmente em adolescentes onde a falta desta é mais acentuada). É certo que o que é que leva a esse aumento de autoconfiança nunca é referido, mas que é frequente acontecer, é. E porque é que o motivo não é revelado? Eu vou falar por experiência própria: Comecei por notar que conseguia fazer coisas que, para mim, não eram nada de especial, mas que deixavam os outros admirados por eu as conseguir fazer. Com isso reparei que estava um pouco acima da média em relação a pessoas “normais” no que tocava a cenas de lutas. E isso começou a subir-me um pouco a autoestima. Resumindo, eu achava que, em caso de necessidade, conseguia ganhar numa luta com grande parte das pessoas que me rodeavam. Umas vezes tinha razão, noutras nem tanto…

Defesa pessoal: Este é, para mim, o fator mais importante das artes marciais. Afinal de conta é a origem de tudo. As artes marciais foram inventadas para que as pessoas se pudessem defender eficazmente. Não foi para competirem, não foi para se exibirem, foi para se defenderem. A possibilidade de conseguir defender-me de forma rápida e eficaz de um ou mais oponentes é das coisas que mais me fascinam e motivam na prática de artes marciais.  A que está no topo dessa mesma lista não é muito diferente. É a possibilidade de conseguir proteger alguém numa situação de necessidade. Um amigo, uma amiga, um familiar, o que for… Ver um destes referidos a ser ameaçado ou atacado e poder ir para lá e protegê-lo eficazmente é o que mais me move na prática de artes marciais. É certo que o mais parecido que tive com isso foi meter-me numa briga para proteger um amigo e acabar no chão a levar mais porrada do que o amigo (em minha defesa, houve muito álcool consumido nessa noite…), mas isso são pormenores.

Experiência: Não consegui denominar esta parte de melhor forma. O que é que eu quero dizer com “experiência”? Saber ver. Um erro muito comum cometido por pessoas que se metem em zaragatas hoje em dia é subestimarem o adversário. Se é pequeno, se é gordo, se é magro, etc.. Estando por dentro do mundo das artes marciais durante uns anos, começamos a reparar que há muitas surpresas. “Pequeninos” com uma potência de golpe absurda, gordos que dão pontapés mais rápidos e altos do que sequer achávamos possível para alguém daquela estatura, magrinhos com mais força do que aparentavam, etc.. Mas o mesmo vale no sentido inverso. Grandes bestas de ginásio com os músculos todos à mostra, mas que basta fazê-los falhar os dois primeiros murros para ficarem sem gás e, como tal, serem presas fáceis. Resumindo, não julgar pelas aparências.

Agora vou ficar por aqui que quando começo a falar de bofetada nunca mais me calo e já me alonguei mais que a conta. Talvez um dia escreva um livro sobre isto, quem sabe…

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