segunda-feira, 13 de julho de 2015

"Fazia cá falta o Salazar"

“Fazia cá falta o Salazar!” Esta foi a frase com que me senti presenteado na minha penúltima visita a Coimbra.
Ia eu a caminho do carro com a minha mãe, a minha namorada e uma amiga quando oiço esta frase vinda de uma senhora idosa que se encontrava numa paragem de autocarro. Não tenho a certeza se a observação foi dirigida a mim, mas não ia mais ninguém a passar e a frase foi vociferada no momento em que eu ia a passar. Vou então enumerar os fatores da nossa aparência no momento que poderiam contribuir ou não para termos sido os alvos de tamanha barbaridade (como devem compreender, não me lembro totalmente das nossas indumentárias e, como tal, não serei específico em diversas situações):

A minha mãe ia de saia ou calças de ganga, sendo que o mais provável seria esta última, e uma camisola normal (nada de decotes ou roupa rasgada).
A minha namorada seguia um estilo semelhante: calças de ganga e camisola pouco ou nada provocadora.
A rapariga que nos acompanhava também não passava muito disso. Calças justas, como toda a gente usa agora, e uma t-shirt ou algo parecido.
Eu ia de calções, uma t-shirt um pouco comprida (nada de mais), óculos escuros, boné (pala para trás porque estava muito sol e eu tenho uma pele sensível) e sapatilhas (nem sequer ia de chinelos).
(“Ai que egocêntrico, mal se lembra da roupa de quem o acompanhava e da dele quase a descreveu ao pormenor!” Dado o comentário, tive especial atenção à minha vestimenta pensado ter sido essa a fonte de desagrado da senhora.)

Vamos agora tentar repartir toda a minha aparência por partes e avaliar em que aspetos poderá esta ter ofendido a avozinha:

Calções: não vejo qualquer ataque ao pudor da senhora ao usar calções. Nem sequer faço a depilação. Normalmente os antigos defendem que depilação só mulheres e maricas. Este não era o caso.

Sapatilhas: como estava de calções, levava daquelas meias pelo tornozelo (pezinhos) que às vezes não se vêm porque fogem para dentro do calçado. A senhora pode ter pensado que eu não levava meias e, ao achar isso uma badalhoquice, achou por bem invocar o Salazar para ele me vir cá obrigar a usar meias. Se é por aí, pode estar descansada, que eu levava meias.

T-shirt: admito que esta poderia ser um pouco grande para o meu tamanho e que tinha uma imagem um pouco agressiva. A imagem é, para quem conhece, uma “caricatura” exagerada do Joker (Némesis do Batman). Mas, para quem não conhece, é quase uma personificação de um ser maligno enviado para destruir todo o planeta terra de forma atroz enquanto se ri com gargalhadas maléficas. Ou então o símbolo de alguma banda demoníaca que canta orações a Belzebu e que sacrifica carneirinhos e come os seus corações ainda palpitantes para servir o Demónio. Caso não tenham percebido bem a ideia eu deixo aqui a imagem da t-shirt para cada um tirar as suas próprias conclusões.



“Tanta descrição para no fim pores uma imagem da t-shirt!” É, eu sou assim. Um romântico. “Mas isso não tem nada a ver com romantismo!” Pois não. E eu não sou romântico.

Passemos agora à parte avaliativa deste elemento. A camisola pode ter ofendido a senhora e até mesmo assustado. Mas, sinceramente, não estou a ver o que é que o Salazar ia fazer em relação a isso. “Lei nº 329, artigo 4º - Não são permitidas, neste país, quaisquer peças de roupa que façam alusão ao filme ‘The Dark Knight’ ou que ofendam a dona Serafina dos Anjos que mora no 2º esquerdo – Rua dos Combatentes, Coimbra.” Não ia fazer muito sentido, mas arrancar unhas aos jovens que eram do partido em oposição ao Salazar também não fazia sentido e eles faziam-no. (P.S.: aposto que a senhora é esposa ou viúva de um ex-elemento da PIDE)

Óculos de sol e boné: os óculos são dos que refletem (mal e porcamente porque foram comprados a 10€ na Pull&Bear). Possivelmente a senhora achou intragável não poder ver-me os olhos e, no lugar destes, ver o seu próprio reflexo. Afinal de contas os olhos são as janelas para a alma, ou qualquer coisa assim. “Haviam de tos furar. Se é para andarem escondidos mais vale não os teres!” Isto é aquilo que eu imagino ter passado na cabeça da senhora quando ela muito controladamente apenas disse “Fazia cá falta o Salazar!”.
O boné não ia inteiramente enfiado na cabeça e ia de pala para trás. Mas tenho uma justificação plausível para ambas as situações. Ia apenas apoiado na cabeça, não porque está na moda, mas porque me está pequeno e me aperta muito os miolos e, como tal, ia apenas pousado. A pala ia para trás porque, como eu já referi, estava muito sol e eu tenho uma pele sensível.

“Ela achou é que tu tinhas ar de bicha e não esteve com papas na língua!” É uma hipótese.

Querem saber a parte mais estranha? Nós já tínhamos passado por ela uma vez quando íamos almoçar (a senhora esteve à espera do autocarro todo o tempo que nós demoramos a almoçar num restaurante. Pensado bem ela se calhar só queria o Salazar para ele arranjar um serviço de transportes públicos mais eficiente que os SMTUC. Se assim for também apoio o regresso do Salazar. Mas só para isso. Depois podia voltar para o buraco de onde tinha vindo. Literalmente…).

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